Operação Furna da Onça: MPF diz que Alerj era uma ‘propinolândia’

Procuradores da República afirmam que pagamentos mensais a deputados estaduais iam de R$ 20 mil a R$ 900 mil. Esquema começou na gestão Cabral

Procuradores do MPF (Ministério Público Federal) afirmaram nesta quinta-feira (8) que o esquema de pagamento de propinas na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), que levou hoje à prisão de dez deputados estaduais, movimentou R$ 54,5 milhões em quatro anos, com pagamentos mensais aos parlamentares que iam de R$ 20 mil a R$ 900 mil. O MPF qualificou a Alerj como “verdadeira propinolândia”.

“A relação entre esses deputados foi pautada pela promiscuidade. A Alerj se transformou em uma verdadeira propinolândia”, afirmou Carlos Aguiar, procurador da República envolvido na operação Furna da Onça, realizada por MPF, Receita Federal e Polícia Federal e que cumpre hoje 19 mandados de prisão temporária, três de prisão preventiva e 47 mandados de busca e apreensão.

A ação é um desdobramento da operação Cadeia Velha, que prendeu há um ano o então presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Jorge Picciani, e os deputados Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do MDB.

Além dos três, que já estão presos, a PF prendeu mais sete deputados estaduais: André Corrêa (DEM), Chiquinho da Mangueira (PSC), Coronel Jairo (MDB), Luiz Martins (PDT), Marcelo Simão (PP), Marcos Abahão (Avante) e Marcos Vinícius “Neskau” (PTB).

Também foi preso Affonso Monnerat, secretário de Governo. Leonardo Silva Jacob, presidente do Detran/RJ, e Vinícius Farah, ex-presidente do Detran-RJ e deputado federal eleito pelo MDB, são os únicos que ainda não foram presos. A PF deu prazo para os dois se entregarem até as 15h.

“Infelizmente obtivemos provas indicando um sistemático esquema de corrupção já existente na época do ex-governador Sérgio Cabral, que estabeleceu uma relação com alguns deputados integrantes da Alerj absolutamente promíscua, uma relação em que preponderava o ‘toma lá, dá cá’, pagamento reiterado de propina para que esses deputados atuassem no interesse da organização criminosa”, declarou Aguiar. “Não estamos investigando deputados da Alerj, mas pessoas que se valeram dos cargos para viabilizarem seus interesses ilícitos, para a perpetuação dos seus interesses políticos”, completou.

O esquema

De acordo com a PF e o MPF, informações obtidas com o doleiro e delator Carlos Miranda, considerado braço direito do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), levou à descoberta de um esquema de corrupção, desvio de verbas públicas e loteamento de cargos públicos dentro do Detran-RJ (Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro), que teria perdurado entre 2011 e 2014, durante o segundo governo de Cabral.

Segundo o MPF, além de aumento patrimonial dos envolvidos, o objetivo do esquema era pagar valores mensais aos deputados aliados, chamado de “mensalinho” pelos procuradores, em favor do grupo político de Sérgio Cabral. Os parlamentares também puderam fazer indicações para cargos públicos e órgãos terceirizados.

Os pagamentos, que chegaram a R$ 54,5 milhões, foram identificados a partir de um sistema eletrônico controlado por Carlos Miranda. Ao lado dos pagamentos, apareciam os nomes dos assessores dos deputados.

Quem mais recebeu foi o deputado Paulo Melo, em transações que somaram R$ 15,946 milhões, segundo o MPF. Melo, que presidiu a Alerj no período de duração do esquema, ficava com parte do dinheiro e distribuía outra parte para os demais parlamentares. “O ‘mensalinho’ dele era de R$ 900 mil porque ele ficava com uma parte para si e passava também para outros deputados”, disse Aguiar.

O deputado André Corrêa recebeu R$ 2,280 milhões em 30 transações, segundo o MPF, enquanto Picciani recebeu R$ 900 mil em duas transações.

O deputado Chiquinho da Mangueira recebeu mais de R$ 3 milhões, segundo o MPF. Os investigadores querem saber se os recursos foram usados para custear a escola de samba Mangueira, durante Carnaval de 2014.

De acordo com as investigações, os recursos vieram de várias fontes, como contratos estaduais e federais, via Odebrecht (segundo informações de doleiros e delatores presos pelas operações Lava Jato e Cadeia Velha) e também de atos de corrupção dentro dos postos do Detran.

“A corrupção pequena — cobranças por serviços ilícitos, como aprovações de veículos irregulares em vistorias e aprovações de pessoas na prova para a CNH — dentro de Detran-RJ também favorecia esses parlamentares, com cobranças de taxas nos postos sob seu domínio. Os deputados tinham um alcance político e eleitoral que se revertia em dinheiro”, disse a delegada Xênia Soares, da PF.

Segundo Aguiar, “políticos lotearam o Estado do Rio de Janeiro para viabilizar a consecução dos seus interesses políticos”.  Para ele, “não por acaso temos notícias de corrupção em diversas agencias do Detran-RJ”.

Aguiar ressaltou que as ordens de prisão contra deputados estaduais não foi uma decisão monocrática da Justiça, mas autorizada por cinco desembargadores do TRF2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região). “Foi uma decisão unânime e inédita, o que indica a consistência do que foi levado ao conhecimento do Judiciário”, disse.

Defesas

O governo do Rio de Janeiro, procurado pelo R7 para falar sobre o envolvimento de Monnerat na operação, afirma que “desconhece os fatos e não teve acesso aos autos do processo”.

O Detran-RJ diz que está “à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento”. O R7 não conseguiu contato com as defesas de Leonardo Silva Jacob e Vinícius Farah.

A assessoria de imprensa do deputado Chiquinho da Mangueira afirma que as acusações são infundadas e que os trabalhos no barracão da escola de samba continuam normalmente. A escola de samba Mangueira repassou o mesmo comunicado à reportagem.

O deputado André Corrêa publicou em seu perfil em uma rede social a seguinte mensagem: “Deus no controle sempre. Nunca envergonhei vocês. Confio na justiça do meu Estado e do meu País. Quem não deve não teme. Lamento que no momento que 44 deputados assinam um compromisso com minha candidatura à Alerj isto aconteça. Repito que estou tranquilo. Quem me conhece sabe meu modo de agir. Continuarei de cabeça erguida. Não tenho sequer advogado. Confio em Deus”, escreveu.

O gabinete do deputado Coronel Jairo não se posicionou sobre as ações da operação Furna da Onça. O R7 consegiu falar com as equipes de Albertassi, Martins, Marcus Vinícius e Melo e aguarda posicionamento oficial.

A reportagem não conseguiu contato com a assessoria de imprensa ou defesa de Picciani, Simão e Abrahão.

Fonte: R7

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