Como a trama denunciada por Marcos do Val se conecta a minuta golpista e 8 de janeiro

Em um mesmo dia, Alexandre de Moraes mandou prender Daniel Silveira, Anderson Torres disse à Polícia Federal que perdeu seu celular nos EUA, Valdemar Costa Neto disse que o plano para implodir a Justiça Eleitoral era só uma “metáfora” e o senador Marcos do Val (Podemos-ES) soltou uma bomba sobre a participação de Jair Bolsonaro (PL) em uma trama golpista.
Os eventos estão todos interconectados.
Silveira voltou à prisão assim que se tornou oficialmente um ex-deputado. Sem foro, foi levado para a prisão em cela comum por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal após descumprir uma série de medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Ele é investigado por estimular a violência contra ministros do STF.

Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário responsável pela segurança do Distrito Federal no dia em que as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas, disse no mesmo dia, em depoimento à PF, que não tem ideia de quem redigiu a minuta golpista apreendida em sua residência.
Só não tem como provar o que diz porque estava nos EUA, perto do ex-chefe, quando recebeu a ordem de prisão e, com a cabeça na lua, viajou sem o aparelho na bagagem. Acontece muito.
Costa Neto, chefe do partido de Bolsonaro, disse que minutas do tipo eram “plantadas” no bolso de todo mundo o tempo todo. Chamado à polícia para se justificar, disse que tudo não passou de figura de linguagem.
Curioso porque os atos de 8 de janeiro não eram nada metafóricos: os rastros de destruição nos prédios do Executivo, do Legislativo e, principalmente, do Judiciário são consequências da escalada golpista alimentada por Bolsonaro enquanto tramava um jeito de evitar a posse de Lula (PT).
Bolsonaro fugiu do Brasil às vésperas da cerimônia, não passou a faixa presidencial ao seu sucessor, e antes de partir deixou claro que tentou de todo jeito ampliar sua estadia no Planalto. Faltou apoio. E algo mais.
A minuta golpista, que de metáfora também não tinha nada, era um passo a passo de como Bolsonaro pretendia tomar de assalto a Justiça Federal, por meio de um decreto de Estado de Defesa.
O barril de pólvora estava cheio; faltava quem acendesse a fagulha.
Isso teria acontecido se Do Val tivesse aceitado a missão de gravar uma conversa com Alexandre de Moraes para flagrar algum indício de que ele atuou “fora das quatro linhas” durante a eleição. A ironia é que o mentor intelectual (sic) de tudo isso era ninguém menos que Daniel Silveira, um ex-policial obtuso que Bolsonaro jurava mal conhecer até conceder a ele um indulto para livrá-lo da prisão enquanto fosse presidente.
Da conversa armada com Moraes, pensavam os espertões, surgiriam trechos comprometedores e facilmente editáveis para serem jogados como bomba na multidão reunida e bem alimentada por patrocinadores interessados na causa em frente aos quartéis.
A comoção levaria Bolsonaro a decretar estado de emergência e anular as eleições sem que nada ou ninguém pudesse detê-lo, já que Moraes estaria preso em flagrante.
Como se sabe, nada disso aconteceu.
Do Val não topou a empreitada e Lula tomou posse.
O plano B de Bolsonaro e dos detentores da minuta, ao que tudo indica, era deixar o Brasil e legar aos generais o controle do território nacional por meio de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem assinada não por ele, mas por seu sucessor, Lula. O petista percebeu a armadilha no dia 8 e não caiu. Restringiu a intervenção federal ao Distrito Federal, onde reorganizou, aos trancos, a estrutura da segurança do DF. Os responsáveis pela invasão estão presos e/ou investigados.
Todos os eventos estão conectados, e só não se sabe por que um bolsonarista de quatro costados como Marcos Do Val resolveu denunciar o plano golpista quase dois meses após a tramoia. Por dor na consciência não foi.
Há quem veja na estratégia uma última tentativa de tirar Alexandre de Moraes do jogo tornando-o suspeito para relatar um inquérito do qual é citado como parte – mesmo que como testemunha ou possível vítima.
Mais difícil ainda é saber o que motiva o senador capixaba a mudar tantas vezes de versão desde que soltou a “bomba”.
Em seus tempos de (mau) militar, Bolsonaro era descrito por seus superiores como alguém que “tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”.
Pelo jeito nem todos os subalternos o repeliam. Alguns foram também contagiados.
Fonte: Yahoo Notícias