Secretários de Guedes pedem demissão em meio à crise sobre o teto de gastos

O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediram exoneração de seus cargos ao ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quinta-feira. A saída foi anunciada após a decisão do governo de furar o teto de gastos para pagar o Auxilio Brasil de R$ 400.
As demissões foram confirmadas pelo Ministério da Economia e, segundo a pasta, motivadas por “ordem pessoal”. “Funchal e Bittencourt agradecem ao ministro pela oportunidade de terem contribuído para avanços institucionais importantes e para o processo de consolidação fiscal do país”, afirma a nota.
Além de Funchal e Bittencourt, a secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, e o diretor do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), Bruno Negri, também pediram exoneração de seus cargos, por razões pessoais.

Os pedidos foram feitos de modo a permitir que haja um processo de transição e de continuidade de todos os compromissos, tanto da Seto quanto da STN.
Antes de assumir a secretaria do Tesouro e Orçamento, o economista Bruno Funchal foi secretário de Fazenda do Espírito Santo em 2017 e 2018, estado considerado um dos principais exemplos de cuidado com as contas públicas.
Foi um dos articuladores da proposta de socorro a estados e municípios por conta da pandemia, que gerou atritos entre o governo e o Congresso.
Funchal também participou da elaboração da proposta do novo Pacto Federativo, apresentado pelo governo no fim do ano passado.
Confira a íntegra da nota à imprensa:
“O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, e o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, pediram exoneração de seus cargos ao ministro da Economia, Paulo Guedes, nesta quinta-feira (21/10).
A decisão de ambos é de ordem pessoal. Funchal e Bittencourt agradecem ao ministro pela oportunidade de terem contribuído para avanços institucionais importantes e para o processo de consolidação fiscal do país.
A secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, também pediram exoneração de seus cargos, por razões pessoais.
Os pedidos foram feitos de modo a permitir que haja um processo de transição e de continuidade de todos os compromissos, tanto da Seto quanto da STN.”
Entenda o que é e quais são os riscos de ‘furar’ o teto de gastos
Além de desorganizar as finanças públicas, especialistas apontam para efeitos na inflação, no dólar, nos juros e no emprego, afetando a vida cotidiana dos brasileiros.
O governo decidiu que o substituto do Bolsa Família, que será a vitrine eleitoral da campanha de Jair Bolsonaro, pagará, no mínimo, R$ 400 para os beneficiários.
Para garantir esse pagamento por 14 meses, justamente ao longo de 2022, o governo terá de desembolsar ao menos R$ 30 bilhões fora do teto de gastos, regra que limita a elevação de despesas da União.
Inicialmente a equipe econômica era contra qualquer ação que afetasse o teto, a âncora fiscal do país. Mas o próprio ministro Paulo Guedes afirmou que o governo deve pedir uma permissão para extrapolar esse limite, ainda que temporariamente. A declaração repercutiu mal no mercado e a ala política faz o tradicional jogo de empurra, em que todos negam serem os ‘fura-teto’.
Segundo economistas, o que o ministro Paulo Guedes chamou de “licença” para gastar é um drible para mudar a regra do jogo focando no curto prazo – a eleição. Na prática, o efeito é o mesmo de um descumprimento do teto: descontrole fiscal, com repercussões para toda a economia.
Teto de gastos
A regra foi criada no governo do ex-presidente Michel Temer e prevê que o país não poderá aumentar as despesas públicas ao limitar a elevação dos gastos do exercício seguinte à inflação do ano anterior. Ou seja, na prática, não há aumento real de despesas.
O objetivo da medida era evitar uma piora nas contas públicas. O Brasil tem uma das mais elevadas dívidas públicas entre países emergentes, superando 100% do PIB.
E, há sete anos consecutivos, o governo registra déficit primário – ou seja, gasta mais do que arrecada, e isso em contar as despesas com juros da dívida pública.
Sem as contas em ordem, falta espaço para o governo investir em melhorias na saúde, na educação ou na infraestrutura pública.
Agora, o governo já admite querer rever a regra do teto de gastos bem antes do prazo original – em 2026, dez anos após a implementação, havia previsão de revisão dos indexadores –, com o objetivo de ganhar espaço no orçamento para gastar mais no próximo ano.
— Quando a gente propõe ou demonstra uma intenção de mudar essas regras – especialmente pra poder gastar mais, ainda que gasto seja meritório –, isso claramente tem um impacto sobre a percepção de quem financia o governo e de outros agentes também de que o governo talvez não tenha tanto compromisso com a sustentabilidade lá na frente – avalia Daniel Couri, da IFI.
Descontrole fiscal
O teto de gastos era considerado assim como uma âncora para que o país possa organizar, a médio prazo, suas finanças públicas.
Nos dois anos da pandemia – 2020 e 2021 – a regra foi flexibilizada, para permitir os gastos emergenciais necessários na crise sanitária.
Mas os analistas esperavam que, em 2022, a regra do teto de gastos voltasse a ser cumprida. Diante da decisão do governo de gastar R$ 30 bilhões fora do teto, surge o temor de que o país não consiga colocar as finanças em ordem.
— O excesso de gastos vai fazer com que a gente tenha um descontrole fiscal cada vez maior, que se reverte no risco fiscal, porque acelera o endividamento. Esse Auxílio e esse furar o teto de gastos é justamente deixar claro que o governo vai gastar mais sem ter de onde arrecadar – diz Juliana Inhasz, do Insper.
Aumento do dólar
A instabilidade fiscal abala a confiança do consumidor e do investidor, que passa a duvidar da capacidade de o país organizar as próprias contas e acaba reduzindo investimentos no Brasil. Como o país já tem uma dívida pública elevada, ainda há um temor de fundo de que, no futuro, o país tenha dificuldades em honrar seus compromissos.
Os investimentos produtivos, aqueles destinados à ampliação da capacidade produtiva, também tendem a minguar, diante da perspectiva de uma crise fiscal no governo. E isso vai culminar no dólar subindo.
— Isso começa a impactar também a taxa de câmbio, que deve subir cada vez mais e deve continuar em patamares elevados por conta dessa insegurança e desse risco – alerta Inhasz.
Impacto na inflação
A alta do dólar reverbera na inflação. Como muitos produtos consumidos no Brasil são importados ou podem ser exportados – a exemplo das carnes e demais alimentos – um dólar alto leva a um aumento nos preços.
A moeda americana também pressiona custos de combustíveis, energia, com efeitos em toda a economia.
A inflação em alta reduz o poder de compra das famílias, ainda que elas tenham a renda elevada momentaneamente com um benefício maior. É a mesma situação que já ocorreu quando o Auxílio Emergencial foi lançado: pressão nos preços pelo aumento da demanda.
— Mais renda na mão de uma sociedade que tá produzindo menos vai impulsionar a demanda. Pode ser que isso impulsione, sim, uma retomada ainda que lenta da economia, mas o custo imediato é preço mais alto. A inflação sobe, e ela já está alta – pontua Inhasz.
Juros maiores
Com dólar e inflação subindo, o Banco Central precisa elevar os juros. Aumentar a taxa básica de juros da economia é a maneira clássica de segurar os reajustes nos preços porque, com o crédito mais caro, os consumidores reduzem as compras de produtos financiados e, assim, os preços sobem menos.
Mas juros em alta também esfriam a atividade econômica e encarecem os investimentos das empresas em novas instalações ou na ampliação de sua capacidade de produção.
Os juros, porém, encarecem a dívida pública, piorando a situação fiscal do país.
— Se você não tem garantia de que lá na frente as contas públicas estarão em nível sustentável, e é o que está acontecendo agora, você gera todo um ambiente negativo pra economia em termos de perspectiva de investimento e de mercado de trabalho. Os juros aumentam e isso tem uma repercussão também fiscal, porque a dívida cresce mais. Você pode criar todo um ciclo vicioso a partir de uma medida que tem um uma intenção de curto prazo – alerta Daniel Couri, da IFI.
Entra-se assim num ciclo vicioso de câmbio desvalorizado, inflação alta, mais juros e dificuldades maiores nas contas públicas.
Menos emprego
Com as empresas investindo menos e as famílias com o orçamento comprometido pela inflação e os juros, a economia cresce menos.
Fica mais difícil gerar empregos, ainda mais em um mercado de trabalho que não é tão dinâmico, como é o caso do brasileiro, e que está pressionado por patamares elevados de desemprego desde que a pandemia afetou muito mais fortemente o trabalho informal.
Fonte: Yahoo Notícias